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Golpe da Falsa Central de Atendimento: A Responsabilidade dos Bancos e o Direito do Consumidor

Por Dr. Hélio Júnior – Advogado Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil, Especialista em Direito Bancário

O golpe da falsa central de atendimento é uma das fraudes bancárias mais comuns e prejudiciais da atualidade. Nessa prática criminosa, estelionatários se passam por funcionários de instituições financeiras e, por meio de ligações telefônicas, induzem os correntistas a realizarem transações fraudulentas. Esse tipo de golpe resulta em perdas patrimoniais significativas para as vítimas e levanta questões jurídicas relevantes quanto à responsabilidade dos bancos na proteção de seus clientes.

A Responsabilidade dos Bancos: Entendimento dos Tribunais

A jurisprudência vem reconhecendo que as instituições financeiras têm responsabilidade objetiva nos casos de fraudes bancárias, conforme estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). De acordo com o Enunciado 479 do STJ, os bancos respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno, ou seja, fraudes praticadas por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Um exemplo claro desse entendimento pode ser observado no Acórdão 1875078 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que reforça o dever do banco de adotar mecanismos eficazes para prevenir fraudes e garantir a segurança das transações financeiras. Nesse caso específico, a corte reconheceu o dano moral sofrido pela vítima, fixando a indenização em R$ 3.000,00, considerando fatores como o tempo perdido na tentativa de resolver o problema e a omissão da instituição financeira na devolução dos valores desviados.

Casos de Culpa Concorrente da Vítima

Apesar do entendimento consolidado sobre a responsabilidade dos bancos, algumas decisões judiciais reconhecem a existência de culpa concorrente da vítima em determinados casos. Isso ocorre quando o correntista, mesmo enganado, adota comportamentos negligentes que contribuem para o sucesso da fraude, como permitir o acesso remoto ao celular por meio da instalação de aplicativos maliciosos.

No Acórdão 1901358, o TJDFT entendeu que a vítima, ao permitir o acesso remoto ao seu dispositivo, teve um comportamento que também favoreceu a concretização da fraude. Como consequência, a indenização foi reduzida proporcionalmente, reconhecendo que tanto o consumidor quanto o banco falharam na prevenção do golpe.

Dano Moral In Re Ipsa

Por outro lado, há decisões que consideram que o simples fato de a vítima sofrer a fraude já caracteriza dano moral, independentemente da comprovação do sofrimento psicológico ou de outros prejuízos extrapatrimoniais. Esse é o entendimento do Acórdão 1740504, no qual o tribunal enfatiza que a fraude bancária extrapola o mero aborrecimento do cotidiano, justificando a indenização por dano moral.

Esse posicionamento segue a lógica da responsabilidade objetiva das instituições financeiras, reconhecendo que o consumidor não deve arcar sozinho com os prejuízos causados por falhas na segurança bancária.

Conclusão

O golpe da falsa central de atendimento levanta questões jurídicas fundamentais sobre segurança bancária e direitos do consumidor. A jurisprudência atual demonstra que os bancos, como prestadores de serviços essenciais, têm a obrigação de garantir mecanismos eficazes para evitar fraudes. Contudo, os tribunais também avaliam as circunstâncias específicas de cada caso, podendo reduzir a indenização se houver culpa concorrente da vítima.

Diante desse cenário, os consumidores devem redobrar a atenção para evitar cair em golpes e, caso sejam vítimas de fraudes, buscar a reparação dos danos por meio do Judiciário. Se você passou por uma situação semelhante, é fundamental procurar assessoria jurídica especializada para garantir a defesa dos seus direitos.

Trecho de acórdão

“3.  O quadro fático indica a necessidade de compensar os danos morais. O longo tempo de espera, a perda de tempo ao tentar resolver o problema administrativamente (sem êxito), as transferências indevidas, a privação material, somados à omissão da instituição financeira de realizar os procedimentos criados especialmente para o fim de viabilizar a devolução dos valores enviados de forma fraudulenta por meio de PIX configuram ofensas ao direito de personalidade do consumidor – em especial o direito à integridade psíquica (dor), com evidente sentimento de revolta e indignação. 4. A quantificação da verba compensatória deve ser pautada nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, com a compensação do mal injusto experimentado pela vítima. Ponderam-se o direito violado, a gravidade da lesão (extensão do dano), as circunstâncias e consequências do fato. O valor, ademais, não pode configurar enriquecimento exagerado da vítima. Desse modo, em homenagem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fixação da verba compensatória em R$ 3.000,00 é razoável.” (Grifo nosso)
Acórdão 1875078, 07498414520238070001, Relator: Des. LEONARDO ROSCOE BESSA, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 5/6/2024, publicado no PJe: 17/6/2024.

Acórdãos representativos

Acórdão 1857559, 07150717820238070016, Relator: Des. FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Primeira Turma Recursal do Juizado Especial do Distrito Federal, data de julgamento: 3/5/2024, publicado no DJe: 16/5/2024;

Acórdão 1833814, 07043224720238070001, Relator: Des. FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 13/3/2024, publicado no PJe: 26/3/2024;

Acórdão 1800422, 07055829620228070001, Relatora: Des.ª ANA MARIA FERREIRA DA SILVA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 7/12/2023, publicado no PJe: 9/1/2024;

Acórdão 1720231, 07074757120228070018, Relator: Des. JOÃO LUÍS FISCHER DIAS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 22/6/2023, publicado no DJe: 6/7/2023.

  • TJDFT

Golpe da falsa central de atendimento – culpa concorrente da vítima – dano moral não configurado

“5. A relação entabulada entre as partes é nitidamente de consumo, porquanto presentes as figuras do consumidor e do fornecedor de serviços, estando, portanto, sujeita às disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). 6. É necessário destacar que as autores possuem idade superior a 60 anos, portanto o caso deve ser tratado à luz do Estatuto do Idoso. (…) 10. ‘As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros – como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno’. (REsp 1197929/PR). (…) 12. No caso, trata-se de culpa concorrente em face da negligência dos autores na operação, pois, como se extrai dos autos, no dia dos fatos e sob a orientação do fraudador, que se passava por preposto do réu, permitiram o acesso remoto de seu celular pelo criminoso, ao instalar um aplicativo malicioso. 13. Quanto a instituição financeira, não adotou as medidas de segurança na movimentação dos valores fora do padrão, permitindo a consumação da fraude. 14. Destas considerações, conclui-se que ambas as condutas foram determinantes para a conclusão da fraude, pelo que se deve extrair que o banco deve responder apenas pela metade do prejuízo experimentado pelo autor. 15. Irretocável, portanto a sentença vergastada que reconheceu a culpa concorrente. 16. O dano moral decorre do abalo a qualquer dos atributos da personalidade, em especial à dignidade da vítima. Embora os fatos descritos pelos autores tenham causado aborrecimentos, não há prova nos autos de exposição a qualquer situação vexatória ou de que o fato repercutiu em grave prejuízo, de modo a desencadear em reparação por dano moral.Assim, não subsidia a reparação por danos morais, por inexistir violação aos direitos da personalidade. Ademais, os dissabores vivenciados pelos autores decorreram de fraude de terceiro, da qual o banco réu também foi vítima. Os autores não comprovaram que a fraude impossibilitou a realização de atividades financeiras cotidianas. 17. ‘A caracterização do dano moral exige que a comprovação do dano repercuta na esfera dos direitos da personalidade. A fraude bancária, nessa perspectiva, não pode ser considerada suficiente, por si só, para a caracterização do dano moral. Há que se avaliar as circunstâncias que orbitam o caso, muito embora se admita que a referida conduta acarrete dissabores ao consumidor. Assim, a caracterização do dano moral não dispensa a análise das particularidades de cada caso concreto, a fim de verificar se o fato extrapolou o mero aborrecimento, atingindo de forma significativa algum direito da personalidade do correntista.” (Grifo nosso)
Acórdão 1901358, 07598380720238070016, Relator: Des. LUIS EDUARDO YATSUDA ARIMA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 2/8/2024, publicado no DJe: 14/8/2024.

Golpe da falsa central de atendimento –  fortuito interno – dano moral in re ipsa

“A fraude bancária expõe a vítima a violações à sua esfera extrapatrimonial superiores aos meros aborrecimentos do cotidiano.  4. É cabível a indenização por danos morais no caso de fraude bancária decorrente de fortuito interno e da responsabilidade objetiva.  5. O dano moral é in re ipsa e opera-se independentemente de prova do prejuízo. Tal entendimento assenta-se na dificuldade de se demonstrarem, processualmente, as alterações anímicas como a dor, a frustração, a humilhação, o sofrimento, a angústia e a tristeza.” (Grifo nosso)

Acórdão 1740504, 07065936320228070001, Relatora Designada: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 3/8/2023, publicado no PJe: 22/8/2023.

Súmulas 

Enunciado 28 da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais do Distrito Federal: As instituições financeiras respondem pelos danos decorrentes de fato do serviço nas fraudes bancárias conhecidas como “golpe do motoboy”, em que o consumidor, supondo seguir instruções de preposto do banco, e utilizando-se dos instrumentos de comunicação por ele fornecidos, entrega o cartão de crédito/débito a terceiro fraudador que o utiliza em saques e compras. Em caso de culpa concorrente, a indenização deve ser proporcional.

Enunciado 479 do STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.