Nos últimos anos, os golpes bancários cresceram de forma alarmante, afetando milhares de brasileiros diariamente. Segundo dados da Serasa Experian, em julho de 2023, houve uma tentativa de fraude a cada 6,6 segundos, tornando esse tema uma das principais reclamações no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec).
Embora as fraudes financeiras sejam um problema mundial, o Brasil ocupa a preocupante segunda posição no ranking global de golpes bancários. Diante desse cenário, é provável que o leitor já tenha enfrentado algum tipo de fraude (como cartão clonado, conta aberta em seu nome sem autorização, transferências indevidas ou empréstimos fraudulentos) ou conheça alguém que tenha sido vítima dessas práticas ilícitas.
A busca por reparação judicial tem crescido exponencialmente, uma vez que muitos consumidores não conseguem resolver suas demandas diretamente com as instituições financeiras. O portal consumidor.gov.br, plataforma administrada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Ministério da Justiça), registrou mais de 2,1 milhões de reclamações relacionadas ao setor bancário, financeiro e de cartões de crédito. Embora o índice de solução seja de aproximadamente 78%, ainda há um número expressivo de processos judiciais: cerca de 530 mil ações sobre serviços financeiros foram registradas no Conselho Nacional de Justiça no último ano.
Quem responde pelos danos causados pelas fraudes bancárias?
A grande questão que surge é: quando um terceiro pratica uma fraude e prejudica tanto o consumidor quanto o banco, quem deve assumir a responsabilidade?
A resposta é objetiva: as instituições bancárias têm responsabilidade objetiva pela falha na prestação do serviço, mesmo que também sejam vítimas do golpe.
O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é categórico ao afirmar que:
“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.”
Além disso, o § 1º do artigo 14 do CDC considera o serviço defeituoso quando ele não oferece a segurança esperada pelo consumidor, levando em conta fatores como o modo de fornecimento, os riscos inerentes e a época da prestação do serviço.
Na maioria dos casos, as fraudes bancárias ocorrem devido a brechas na segurança dos sistemas financeiros, caracterizando uma falha na prestação do serviço. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já consolidou esse entendimento em diversas decisões, ressaltando que os bancos não podem transferir aos consumidores os riscos inerentes à atividade bancária.
A era digital e os desafios para a segurança bancária
Com a digitalização dos serviços financeiros e a crescente migração para o atendimento virtual, as fraudes bancárias têm se tornado cada vez mais sofisticadas.
Como destaca Natalie Faulkner, líder global do setor de fraudes da KPMG Internacional:
“Os fraudadores estão aumentando e os pagamentos estão sendo processados em segundos. Os bancos precisam ser ágeis para responder a novas ameaças e adotar novas abordagens e tecnologias para prever e prevenir fraudes.”
O agravante é que, conforme aponta David Hicks, também da KPMG, o prejuízo causado pelas fraudes cresce em ritmo mais acelerado do que os investimentos das instituições financeiras para mitigar esses riscos.
Por isso, os bancos não podem alegar desconhecimento dos riscos de sua própria atividade e devem ser responsabilizados pela ineficácia de seus mecanismos de proteção contra fraudes.
Fortuito interno e a excludente de responsabilidade
A legislação prevê hipóteses limitadas para excluir a responsabilidade dos fornecedores de serviços bancários. O artigo 14, § 3º, do CDC estabelece que o banco só pode se isentar da responsabilidade caso comprove:
1. A inexistência do defeito no serviço (o que é praticamente impossível, pois nenhum sistema eletrônico é 100% inviolável);
2. Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
No entanto, como explicam as decisões judiciais sobre o tema, se um fraudador consegue explorar uma vulnerabilidade no sistema do banco, isso comprova que houve falha no serviço prestado, atraindo a responsabilidade da instituição financeira.
Esse entendimento está consolidado na Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
Ou seja, sempre que o golpe envolver o ambiente bancário – como fraudes em aplicativos, clonagem de cartões, vazamento de dados ou empréstimos não autorizados – a responsabilidade será do banco.
A única hipótese em que a instituição financeira pode se eximir do dever de indenizar ocorre nos casos de fortuito externo, ou seja, quando o dano não tem relação com a prestação do serviço bancário.
Um exemplo clássico é o cliente que realiza um saque e sofre um assalto na via pública. Nesse caso, o roubo não decorre de falha na segurança bancária, e sim de um fator externo.
O direito à indenização e a reparação dos danos
Se confirmada a falha na segurança bancária, o consumidor tem direito à reparação integral dos prejuízos, conforme prevê o artigo 927 do Código Civil.
Os danos indenizáveis incluem:
• Danos materiais: restituição total dos valores indevidamente transferidos, além do reembolso de eventuais prejuízos causados ao consumidor, como cobranças indevidas, restrições no crédito ou negativação do nome.
• Danos morais: valor indenizatório que considere o impacto emocional e psicológico da fraude, além do caráter educativo para a instituição financeira.
Ainda no que se refere aos danos morais, a indenização não deve se limitar ao pagamento de uma compensação financeira. É fundamental que sejam tomadas todas as providências para restaurar a situação do consumidor ao estado anterior ao ocorrido, incluindo a exclusão de registros indevidos junto aos órgãos de proteção ao crédito e a reparação de qualquer prejuízo ao score financeiro do cliente.
Conclusão
Diante do avanço das fraudes bancárias e da vulnerabilidade dos consumidores, as instituições financeiras precisam adotar medidas eficazes para evitar golpes e garantir um ambiente seguro para seus clientes.
Se você ou alguém próximo foi vítima de um golpe bancário, não hesite em buscar seus direitos! A legislação brasileira protege o consumidor, e os bancos são responsáveis pela segurança de suas operações.
Por Dr. Hélio Júnior, Advogado Especialista em Direito Bancário